sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Fatal

Fatal (2008)


Branca Machado – 03/11/2008

“Fatal” inicia-se com duas citações confrontadas sobre a velhice. Uma de Tolstoi: “...na profunda velhice, vive-se a vida mais valiosa e necessária...", a outra de Bette Davis: “A velhice não é para maricas”. O filme é todo em cima dessa reflexão sobre como o conceito de velhice é relativo e, de certa forma, pessoal.

Baseado no livro “Animal agonizante” de Philip Roth, “Fatal” conta a história de David Kepesh (Ben Kinsgley), professor de literatura na universidade de Nova York que faz sucesso em um programa cultural na televisão. A história é entrecortada por comentários de David que sintetizam o tipo de pessoa que ele é. Trata-se de um homem cheio de citações, interessante, intelectualizado e, por muita vezes, cínico.

Em sua aula, ele analisa a nova aluna Consuela (Penélope Cruz): “Ela sabe que é bonita, mas não sabe o que fazer com aquela beleza”. O professor oferece uma recepção aos alunos em sua casa e, logo, começa a seduzir Consuela. Sobre ela, ele diz a George O´Hearn (Dennis Hopper) , seu grande amigo: “Ela é uma mulher que merece ser cortejada”.

A diretora Isabel Coixet que entre outros dirigiu , “Minha vida sem mim” e “A Vida Secreta das palavras”, constrói cenas lindas nos momentos de amor entre David e Consuela. No dia em que a sedução se completa, escutamos uma trilha musical ao piano. O instrumento é tocado. Ele toca Consuela. Ele diz a ela: “Você é uma obra de arte”. Que ele, além de admirar, ajuda a completar. Já que a obra de arte se completa com o olhar do outro. Naquele momento, a imagem de Consuela é admirada por David e a cena admirada por nós.

O professor queria com Consuela o que sempre teve em suas várias relações: sexo, sem vínculo emocional. Um sentimento racional e, para ele, mais realista. Mas, desta vez, não funcionou e ele se viu apaixonado e, consequentemente, aterrorizado. Já que, ao que parece, aos sessenta anos, era a primeira vez que isto lhe acontecia. Em um certo momento, ela pergunta a ele: “Você já imaginou um futuro comigo?” e David responde: “Um futuro com você me assusta.”

Não é à toa que, em um dos seus comentários, ele diz: “E o implausível aconteceu... Meu cíume cresceu”. Para ele, ter ciúmes de alguém era algo que nunca iria lhe acontecer. Ele era racional demais para isso. David, um homem tão erudito, tão seguro, não dá conta daquele sentimento. E, diante dele, “agoniza”.

A partir daí, testemunhamos como a rigidez de conceitos, a cisma e o medo limitam e impedem a pessoa de andar, de viver. A relação de David e Consuela termina não por falta de amor, de paixão, mas por falta de coragem. Por falta de ousadia.

Após alguns anos, o casal se reencontra e, neste momento, reforçamos a tese de que a passagem dos anos transforma nossas vidas e percepções, mas não necessariamente nos torna melhores ou mais sabidos. E, como devidamente dito por George a David, devemos nos preocupar com crescer, não com envelhecer. Consuela diz a David: “Eu me sinto mais velha que você” e lembra de uma das aulas que teve com ele: “O livro será diferente, se você o ler daqui a 10 anos?”. Sim. Será. Tudo o que acontece e o que vivenciamos ou deixamos de vivenciar mudam nossa interpretação e comportamento.

No final das contas, David parou no tempo diante de muitos aspectos e acabou preso dentro do seu próprio conceito de liberdade. E, eu, que sou fã de citações, não poderia deixar de finalizar esta crítica, deixando uma para este protagonista que tanto as usou no filme: “Amplie sua vida, seu círculo, sua mente. Os limites não fazem mais do que deixar os outros de fora; e eles prendem você dentro”.

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