sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Senhores do Crime

Senhores do Crime (2008)

Branca Machado – 27/02/2008

A enfermeira Anna (Naomi Watts), de plantão na noite de Natal, atende à prostituta russa Tatiana (Sarah-Jeanne Labrosse) que acaba morrendo no parto e deixa seu bebê e um diário aos cuidados do hospital e, conseqüentemente, de Anna. A enfermeira, por motivos que mais tarde compreenderemos, comove-se e resolve descobrir alguém relacionado ao bebê que possa ficar com ele. Por isso, acaba indo ao restaurante de Semyon (Armin Mueller-Stahl), único nome que ela reconhece no diário deixado por Tatiana, todo escrito em russo, tentar descobrir algo sobre a moça.

Apresentado como um senhor meigo, sensível, carinhoso, que gosta de música e toca violino, Semyon trata Anna com cavalheirismo, mas com certa indiferença. A princípio, ele não dá muita importância ao que a enfermeira diz. Até que ela menciona a existência do diário. Ali, a coisa muda de figura. Anna, já está se despedindo, quando comenta: “Vou descobrir mais quando o diário dela for traduzido...” Aqui está o leit motiv ou o MacGuffin, conceito criado por Alfred Hitchcok para definir um objeto que serve de pretexto para fazer a história avançar. Muito mais que a gravidez e a morte de Tatiana, é este comentário de Anna que desencadeia a ação do filme.

A partir dali, Semyon quer saber mais detalhes sobre a enfermeira. Mas, Anna não é boba. E a interpretação sutil de Naomi Watts, faz-nos perceber que ela não dará todas as informações que ele está pedindo. Ao sair, Anna, cruza com Nikolai (Vuggo Mortensen, candidato a melhor ator no Oscar 2008 por este papel), motorista de Kirill (Vicent Cassel), filho de Semyon, que pergunta sobre sua moto. Ela diz: “Ela foi do meu pai. Tem valor sentimental”. E NiKolai replica com ar cínico: “valor sentimental... Já ouvi falar disso”. Este simples comentário já nos descreve bem a personalidade do motorista. E posteriores observações de Kirill completam o conceito: “Ele não é meu motorista. É o agente funerário”.

Em um jantar em família, com Anna, sua mãe e seu tio, descobrimos que a enfermeira terminou há pouco um namoro com um médico negro. E que sofreu aborto de um filho dele. Paralelamente, há outro jantar. O dos russos. No restaurante. E, ali, também descobrimos o poder patriarcal de Semyon. E a autoridade que exerce sobre todos. Como também em Pequena Missa Sunshine ou Embalos de Sábado à noite, usa-se uma refeição familiar para que possamos descobrir mais coisas sobre os protagonistas em comentários casuais e discussões familiares.

O filme é todo entremeado com trechos do diário de Tatiana. Aos poucos, cada um tem acesso a ele que é lido por um, por outro, e até por ela mesma (em off). Contando-nos uma história nada bonita sobre garotas russas que vão para a Inglaterra com a promessa de uma vida melhor.

Quando Semyon vai ao hospital e diz a Anna: “Você sabe onde eu estou. E eu sei onde você está”, faz uma ameaça velada. E Anna tem consciência do perigo que está correndo. A diferença entre este filme e muitos outros em que temos uma parte fraca ameaçando a estabilidade de algo bem mais poderoso, é que Anna não é vítima, não é inocente, sabe no que está se metendo. É esperta e isto a ajuda muito.

Durante o filme, nossos conceitos inicias sobre alguns personagens mudam. Em uma discussão bem atual de que não dá para concluir coisa alguma pelas primeiras aparências. Semyon, Kirill e Nikki acabam se revelando bem diferentes de como, a princípio, são apresentados. À medida que a maldade evolui na trama, descobrimos suas verdadeiras facetas. E, Nikki resume bem onde Anna se meteu: “Você está do lado errado, Anna. Você pertence às pessoas boas. O lado de lá”.

Novamente assistimos à David Cronenberg dirigir Viggo Mortensen. Em Marcas da Violência, o ator faz papel de um homem comum e pacato que esconde uma natureza e um passado bem violentos. Em “Senhores do Crime”, temos o contrário: Um personagem, em todos os aspectos, violento, que, no fundo, tem algo de muito digno. Um homem que só pensa na sua causa. Na sua missão. E que, ao final, torna-se ambíguo como ela.

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