quinta-feira, 15 de outubro de 2009

O despertar de uma paixão

O Despertar de uma Paixão (2007)


Branca Machado – 11/07/2007

É sempre interessante assistir a um filme baseado em um livro. Principalmente, se você gostou do livro. Parece que tomamos carinho por aquela história e queremos vê-la bem retratada. Eu sempre fui fascinada por adaptações.Como criar diálogo de uma situação apenas descrita? Como resumir em duas horas uma estória de 500 páginas? Estes são apenas alguns dos desafios que o roteirista de uma adaptação enfrenta. E não deixa de ser fascinante observar como tais questões foram resolvidas.

“O Despertar de uma Paixão” é baseado no livro “O Véu Pintado” de Sommerset Maugham. Adaptado por Ron Nyswaner, que também escreveu, entre outros, o roteiro de Philadelphia pelo qual foi indicado ao Oscar, e estrelado por Edward Norton como Walter e Naomi Watts como Kitty, o filme realiza mais plenamente a relação dos dois que o livro. E, neste sentido, mata uma vontade latente que o romance deixa em aberto. Em compensação, o livro aborda aspectos bem mais humanos e, de certa forma, cruéis que o filme deixa de lado. O livro é mais verdadeiro; o filme, mais romântico. E, de certo modo, tornam-se complementares.

Com narrador onisciente, o livro conta tudo sob o ponto de vista de Kitty. E, por isso, no filme, a situação inicial é estabelecida pelas lembranças desta personagem. Walter acaba de aceitar um emprego como médico numa remota vila da China que está sendo arruinada pela cólera. Ele leva Kitty com ele como forma de se vingar de uma traição. Encontramos, então, Kitty em sua viagem atormentada pelas lembranças que a levaram até ali e que surgem como flashback. Tais cenas esclarecem a tensão no relacionamento dos dois. O filme exibe essas circunstâncias bem rapidamente e se concentra na transformação dos dois, principalmente de Kitty, a partir de sua chegada na vila.

As interpretações estão perfeitas. As descrições do livro estão lá no trabalho dos atores e na criação de algumas cenas que resumem certos aspectos de suas mentes. Há um momento entre Walter e Kitty na cama, ainda em Xangai, no qual eles começam a se beijar. Walter, então, pergunta: “Devo desligar o abajur?” Kitty responde: “Para quê?” E ele decide: “Vou desligar o abajur”. Tal cena, que só existe no filme, resume traços da personalidade dos dois que no livro são descritos em situações variadas: Ele, retraído, tímido. Ela, desembaraçada, moderna. Kitty, no livro, percebe que Walter tem uma “triste capacidade de desembaraçar-se”. Para mim, essa cena resume tal fato com delicadeza. Há outro diálogo, este tirado do livro, que também mostra o quanto os dois estão distantes um do outro em termos de personalidade. Kitty reclama de que Walter não conversa e ele observa: “Eu me acostumei a falar só quando há algo importante a dizer” e ela responde, irritada: “Se todos falassem apenas quando têm algo a dizer, a humanidade seria calada!”.

Somerset Maugham escreve grandes verdades sobre o amor e sobre nossa incapacidade de ser coerente neste quesito as quais o filme inteligentemente conserva. Em um certo momento, Kitty reflete: “Seria ótimo se amássemos alguém pelas suas virtudes...”. Outra reflexão clássica está na afirmação de Walter: “Você tem razão. Foi bobagem procurarmos um no outro qualidades que nunca tivemos”. Quantos de nós não insistem em mudar características de nossos parceiros? Ou deseja que eles tenham outro modo de agir?

O romance de Maugham mostra como é possível e necessário conhecer e compreender as razões dos outros. O motivo de eles serem assim e não de outro jeito. Kitty começa a descobrir o marido na vila. Pelo bonito e corajoso trabalho que ele realiza, pela adoração das freiras e pelo carinho dos moradores por ele. Seu olhar se transforma e torna-se um olhar bonito, de admiração, gratidão, respeito. Ocorre que o véu que pintaram para Kitty com todas suas regras sociais e de comportamento foi arrancado da personagem pelos acontecimentos. Ela passa a olhar sem o véu. E, com isso, ela se transforma em uma pessoa melhor, madura e verdadeira. E esta transformação também transforma Walter. Um sentimento maior surge a partir daí. De fato, a vida é sempre mais forte. E, se cortarmos nossas amarras e deixarmos nos levar, teremos grandes surpresas e lindos aprendizados.

Nenhum comentário:

Postar um comentário