domingo, 4 de outubro de 2009

Gran Torino

Gran Torino (2009)

Branca Machado – 02/04/2009

Na primeira cena de Gran Torino, há um velório. A mulher de Walt Kowasky (Clint Eastwood) acaba de falecer. Ele está lá, em pé, firme, recebendo os cumprimentos e reparando nos netos com olhar de censura. Seus netos não se comportam da maneira que ele acha que deveriam se comportar. Ashley (Dreama Walker), por exemplo, foi à igreja de barriga de fora e tem um piercing no umbigo. O olhar de reprovação de Walt é tão intenso que seu filho percebe e comenta com o irmão: “Não esquece a raiva nem no enterro da mamãe!”
No momento do sermão, a câmera visualiza Walt já sentado no banco da igreja ao lado dos filhos. Há um espaço simbólico entre ele e a nora, a pessoa fisicamente mais perto dele naquele banco. Só este afastamento já nos diz muita coisa sobre aquela família. Há uma distância irrecuperável entre pai e filhos.
De volta à casa de Walt, somos apresentados ao bairro do protagonista por comentários dos personagens. Ashley diz à mãe na reunião após o velório: “Meu celular não pega neste gueto e isso aqui está chato!” Walt olha para a casa vizinha a sua e pensa alto: “Quantos ratos cabem numa casa só?”.
Trata-se de um bairro que foi nobre, mas que, hoje, é habitado por imigrantes, principalmente os hmong, um povo vindo do Laos, Tailândia e China, fugindo da dizimação que os comunistas infligiram depois da Guerra do Vietnã. Walt mora lá desde sempre, sente o maior orgulho de ser americano e deixa claro que não gosta daquela invasão de “chinas” no seu bairro. Há uma bandeira dos Estados Unidos na entrada de sua casa. Ele vive em embate com a casa vizinha na qual mora uma avó hmong, a filha dela e seus dois netos, Thao (Bee Vang) e Sue (Ahney Her). Em certo momento, há uma discussão entre Walt e a avó hmong no jardim em frente às casas, Walt gritando em Inglês e ela, em Chinês. A avó fala: “Todos os americanos se mudaram deste bairro. Por que você não foi?” Ele cospe no chão. Ela cospe mais.
Durante o filme, o padre Janovich (Christopher Carley) insiste em ouvir a confissão do protagonista, já que havia prometido à falecida esposa deste que obteria a confissão de seu marido. Sempre que Janovich o procura, temos discussões interessantes. Depois de um episódio em que Walt resolveu fazer justiça com as próprias mãos, o padre questiona: “Por que você não chamou a polícia?” E ele responde, irônico: “Eu rezei para ela aparecer, mas ela não veio...” Walt afirma ao padre: “Eu entendo de Guerra. Entendo de morte.” E Javonich rebate: “E sobre a vida? Parece que você sabe mais de morte que de vida”. Quando, o padre afirma que compreende os tormentos da guerra na qual um homem é obrigado a fazer coisas terríveis, Walt rebate: “Você só errou em uma coisa, padre: numa guerra, o que assusta mais um homem é o que ele fez e não era obrigado a fazer”.
Walt parece ter raiva de tudo. Ele grunhe. Nós ouvimos. Veterano da guerra da Coréia, segue uma literal disciplina militar que quer impor aos filhos, netos e até vizinhos. Conviver com Walt é difícil. O caminho dele e dos irmãos hmong se cruzam. Thao trabalha para ele para se redimir da tentativa de roubo de seu Gran Torino. Este roubo seria a iniciação do garoto numa gangue. E o carro realmente foi a iniciação do garoto. A diferença é que existem muitas maneiras de se iniciar alguma coisa.
Na medida em que a relação entre Thao, Sue e Walt se estreita, o protagonista se torna mais simpático para nós. Aprendemos a entendê-lo e admirá-lo. O filme provoca isso para nos levar a um final inesperado, mas, o único possível. Uma vez, a avó comentou que a casa precisava de um homem. E, de certa forma, a casa dos hmong conseguiu o homem de que tanto precisava.

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