sexta-feira, 16 de outubro de 2009

O Sonho de Cassandra

Sonho de Cassandra (2008)
Branca Machado – 02/05/2008

Em “O sonho de Cassandra”, Woody Allen fala sobre as escolhas e suas conseqüências. Ele enfatiza o resultado dos atos. Mas não para os outros. O foco está em quem os cometeu. A conclusão é de que não podemos nos livrar do depois. E de que o agora é um conceito bem mais complexo do que, a princípio, devemos considerá-lo.

Estamos em Londres. Os irmãos Terry Blaine (Colin Farrell) e Ian Blaine (Ewan Mcgregor) pensam em comprar um barco. O barco custa 6000 libras. É caro. Aliás, muito além do que os irmãos podem pagar. Não possuem o dinheiro. Terry tem 400 libras. Quantia que ganhou em apostas. E Ian, 800 que estava guardando para futuros investimentos. Ian comenta com Terry: “É muito mais do que imaginei que não poderíamos pagar!” Compram. Endividam-se. O barco vai se chamar “O sonho de Cassandra”. E não é à toa. O diretor, em certo momento, filma os irmãos chegando ao barco do ponto de vista do interior da cabine. Como Cassandra, o barco enxerga o mal. Prenuncia a catástrofe. E nada pode fazer para impedi-la...

A cena inicial da compra do barco resume como os irmãos levam a vida: São inconseqüentes. Querem mais que do que tem. E, para isso, não se importam em gastar muito mais do que imaginam ganhar em médio prazo. Esta ação impensada desencadeia uma série de acontecimentos que levarão os irmãos a uma tragédia. Além disso, a ênfase no valor do barco serve de comparação com as quantias que aparecem ao longo do filme. Nas apostas e empréstimos que Terry contrai por causa dele, no dinheiro que Ian precisa para seu investimento. Se 6000 libras já era uma quantia alta para os irmãos, a coisa só vai piorar.

Durante o filme, a mãe dos irmãos (Clare Higgins) comenta que Ian sempre foi o cérebro, vivia fazendo planos. E Terry era o esportista. Terry comenta com Ian que “Sorte é uma questão de fases”.Em outro momento, ele diz ao irmão: “Desde pequeno você gosta de bancar o figurão...”. Um dia, quando desesperado, Terry pede dinheiro emprestado à mãe, ela replica: “Beber e Jogar! Estas são suas respostas para os problemas da vida!”. Por meio deste tipo de comentário, chegamos a conhecer bem o tipo e o caráter de Terry e Ian. E percebemos que a firmeza e a prudência não são o forte de nenhum dos dois.

Obviamente, os irmãos se encrencam. Terry começa a perder no jogo. E muito mais do que ganhou: “perdi aqueles 30000 e mais 90.000... Estes eu tomei emprestado a juros bem altos”. Ian se apaixona por Ângela (Hayley Atwell) uma mulher que sonha alto e para quem ele fingiu ter outro nível desde o primeiro encontro. Terry tem de pagar os agiotas. Ian deve manter o alto padrão de Ângela e seu próprio nível de exigência. A sorte deles virou.

Em seu aniversário, a mãe recebe um telefonema de seu irmão milionário Howard (Tom Wilkinson), dizendo que ele virá no dia seguinte e quer proporcionar um almoço comemorativo para todos. Numa sutil troca de sorrisos entre Ian e Terry, percebemos que eles consideram esta visita uma solução. O tio é uma espécie de provedor. Um mágico que resolve com pouco esforço o problema dos sobrinhos. Mas não desta vez...

Após o almoço, os irmãos pedem para conversar a sós com tio Howard e lhe falam sobre seus infortúnios. Ian encerra: “Nós vamos achar um jeito de te pagar!”. Ele diz: “Qualquer coisa, tio”. Tio Howard, então, conclui: “Eu preciso que meu ex-funcionário Martin Burns desapareça...” Diante da indignação dos sobrinhos, ele replica: “Não se constrói o que eu construí sem quebrar algumas regras! Vocês nunca questionaram a minha ética quando precisaram de mim!“. Durante todo o filme, Allen nos preparou para concluirmos que os irmãos vão acabar aceitando a proposta.

Encontramos diálogos típicos do diretor ao longo da trama. Ao planejar o crime, Terry diz: “Vamos tentar fazer da forma mais humana possível, ok?”. O irônico brinde da vítima com os irmãos na festa no qual Burns exclama: “À vida!”. Durante os planos, Ian tem dificuldade em explicitar o verbo “matar” e seu tio comenta: “achei que tínhamos superado esta parte.”

Em nenhum momento, o diretor mostra o crime. O foco são as conseqüências, o castigo. Novamente, remetendo-se a obra “Crime e Castigo” de Dostoievsky, Allen foca as inquietudes e tormentos de Terry, após o crime. E, ainda na figura de Terry, não deixa de haver uma citação a “O Jogador”, também de Dostoievsky. Aliás, a atuação de Colin Farrell está perfeita. Sempre atormentado, ou pela vontade de jogar ou pela necessidade de ser punido, o ator nos transmite a perfeita dimensão de sua angústia.

Com trilha sonora clássica e adequada composta por Philip Glass, “O sonho de Cassandra” é uma trágica história muito bem contada. Em “Melinda e Melinda”, Woody Allen trata de comédia e de tragédia do ponto de vista do discurso. Em “Ponto Final”, ele flerta com a tragédia, aproxima-se dela. Aqui, ele a aborda em todos os seus atos. E o faz com maestria.

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