domingo, 4 de outubro de 2009

Um beijo roubado

Um beijo Roubado (2008)

Branca Machado – 09/06/2008

“Ninguém deixa de amar o outro no mesmo instante em que deixa de ser amado” “Comum acordo só na hora de se aproximar” “Não existe separação sincronizada. E essa, talvez, seja a grande dor do adeus”.“Ver-se frente a frente com um destino que lhe foi imposto”. Estas frases são tiradas da crônica “Quando um não quer” de Martha Medeiros e encaixam-se perfeitamente ao drama de Lizzie (Norah Jones) em “Um beijo roubado”.
O filme mostra personagens transformados pelo amor ou pela falta dele. Como escreve Martha Medeiros, nunca é o fim para os dois. E, daí, surge a perda. A vida da pessoa muda a partir dela. Tudo dependerá do que se fará a partir desta dor. Ela transforma e deve provocar um movimento.
Neste drama, acompanhamos Lizzie, em sua viagem de autoconhecimento, motivada por uma perda. Tudo começa quando ela entra no café de Jeremy (Jude Law) para encontrar o até então namorado. Ele não aparece e Lizzie resolve deixar a chave do apartamento dele com Jeremy. Jeremy possui um recipiente de vidro no qual guarda todas as chaves já deixadas ali e nunca procuradas. Quando Lizzie lhe pergunta o motivo pelo qual ele não joga tais chaves fora, Jeremy responde: “Se eu jogasse estas chaves fora, estas portas ficariam trancadas para sempre. E não cabe a mim decidir isso.” A partir deste diálogo, Jeremy e Lizzie aproximam-se e todas as noites ela vai ao café para trocar idéias e preencher seu vazio emocional. Quando ela lamenta ter sido rejeitada, ele cita o exemplo da torta de amoras. A torta é uma delícia, mas, toda noite, sobra uma inteira. Ao contrário da de chocolate, que acaba.As pessoas fazem escolhas e não podemos culpar a torta de amoras por ninguém a escolher. É a vida. Simplesmente acontece.
O filme utiliza enquadramentos diferentes e apropriados. Bem no estilo de seu diretor Wong Kar-Wai que, entre outros, dirigiu “Amor à flor da pele”. A trilha sonora é uma atração à parte e a utilização do som do trem ao fundo, enquanto Lizzie e Jeremy conversam, ajuda a reforçar a tese do movimento. O tempo passa. O tempo todo. Até para a dor.
Numa dessas noites, Jeremy conta a Lizzie sobre as fitas gravadas em seu bar: “De vez em quando eu as assisto e fico impressionado com o quanto eu perdi. E tudo em frente a mim!”. De certa forma, ele resume a situação de Lizzie que, embaçada pela tristeza, não consegue ver Jeremy a sua frente. Um certo dia, ela sai e não aparece mais. Segue para o interior do Estados Unidos. Começa a trabalhar em dois turnos como garçonete. Seu interesse é não ter tempo para pensar. Em Memphis, ela Conhece Arnie Copeland (David Strathairn), alcoólatra, obcedado pela ex mulher Sue Lynne (Rachel Weiz) com um tipo de amor que não faz nenhum dos dois felizes.Em Nevada, encontra Leslie (Natalie Portman). Talvez, se a tivesse conhecido antes, o resultado deste encontro fosse encarado de maneira trágica e frustrante por Lizzie. Mas, já naquele ponto, ela reage de uma forma diferente, positiva. E faz dele outro marco que a faz mudar de direção.
Durante sua ausência, Lizzie escreve postais para Jeremy, pois “algumas coisas ficam melhores no papel”.E diz a ele: “Eu sempre pensei em você como alguém a quem eu poderia dizer qualquer coisa”. Pelos comentários dela, acompanhamos sua recuperação: Em Menphis, Lizzie trabalha dois turnos, pois não consegue dormir. Já no cassino, no dia 57, ela escreve para Jeremy e conta que, de repente, voltou a dormir. No dia 251, ela escreve: “As pessoas são como espelhos. Vemos o nosso reflexo nelas. E cada reflexo que vejo me faz gostar de mim mais um pouquinho...”.
“Um beijo roubado” defende a tese de que devemos passar pelo “luto”. Assumir a perda. Viver um dia de cada vez.E mostra que há beijos que você nem sente e há aqueles que te fazem ouvir música. E este beijo pode ser, inclusive, entre as mesmas pessoas. Só que em momentos diferentes. Precisamos estar prontos para recebê-lo. No filme, o primeiro beijo, o roubado, é em silêncio, sem trilha sonora. Não o vemos acontecer. E só temos a certeza dele porque falta a marca da torta na boca dela. O segundo tem música. Agora, o enxergamos. Como também Lizzie. O enquadramento é diferente. Da primeira vez, só sabemos que se tratou de um beijo por associação. Desta vez, temos o prazer de assisti-lo. Amar é estar preparado. É se dar tempo. E fazer desse tempo uma transformação.

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