quinta-feira, 15 de outubro de 2009

Um Lugar na Plateia

Um lugar na Platéia (2007)

Branca Machado – 20/08/2007
Uma platéia vai a um espetáculo para rir e (ou) chorar. Para ir para o mundo da fantasia, e, assim, reformular a sua realidade. No filme “Um lugar na platéia”, temos o prazer de reinterpretar o nosso mundo com mais cores, mais alegria, mais beleza. Nele, acompanhamos a garota Jessica (Cécile de France) começar um trabalho novo em um Café na Avenue Montaigne em Paris. E não é a toa que o Café se chama Caffe du Theatre. Por ali, circulam grandes artistas, músicos, diretores e profissionais das artes.

Como Alice no País das Maravilhas, a garçonete transitará entre personagens variados com quem trava diálogos inusitados em ambientes diversos. A semelhança com a obra de Lewis Carrol também se dá pela forma da narrativa onde “O humor tem presença constante, em que também se encontram críticas ora sutis, ora irônicas ou até mesmo mordazes à sociedade”. Alice “ardia de curiosidade”, a avó de Jessica a ensinou a gula e a curiosidade. Alice é uma hóspede temporária daquele mundo fantasioso, onde as coisas acontecem numa outra lógica. Jessica também entra num mundo ao qual não pertence e que, de certa forma, possui uma outra lógica. A lógica do sofisticado, da fama, do luxo, das artes.

O filme começa com a voz em off de Madame Roux (Suzanne Flon), avó de Jessica, afirmando: “Adoro jóias. Adoro luxo. Não os tinha, mas resolvi trabalhar no meio deles.” Jessica também resolve trabalhar no meio deles para proporcionar um pouco de luxo à avó tão adorada.O início do filme é muito bem elaborado com ótima ambientação. A câmera passeia por Paris e, neste passeio, introduz os personagens naturalmente. Ela passa pelo pianista correndo ao lado do rio Senna, passa pela atriz dormindo no táxi, e pelos objetos de arte que serão leiloados sendo colocados em um caminhão estacionado. Tudo bem natural, sem soar forçado. O microcosmo pelo qual nossa personagem vai transitar está formado. Os personagens pontuados casualmente terão seus próprios dramas retratados: O pianista Jean-François Lefort (Albert Dupontel), a atriz Catherine Versen (Valérie Lemercier) e o colecionador de artes Jacques Grumberg (Claude Brasseur).

Vamos conhecê-los juntamente com Jessica. Posteriormente, acompanharemos cada um deles separadamente. Estão todos em crise, menos Jessica. O irônico é que, de certa forma, ela é a personagem que teria mais motivos para estar infeliz, mas mantém sempre uma postura agradável, delicada e positiva.Para ela, há dois tipos de pessoas no mundo: As que atendem o celular se perguntando “Quem é o pentelho agora?”; e as que perguntam: “Quem poderá ser?”. Jessica está sempre aberta para a vida e para o que ela pode oferecer. E, quando vai contar sua própria história, afirma: “É uma longa história e, quando começo, não consigo parar”.

O filme nos dá um prazer a mais que é o de apreciar o belo. Paris está muito bem retratada no dia a dia de cada um dos personagens. Quem a conhece, terá vontade de revê-la. Quem nunca esteve lá, reafirmará seu desejo de conhecê-la um dia. Também é agradável observar todas aquelas peças de arte. Obras de Miró, Brancusi, Rodin e mais desfilam pelos nossos olhos e é incrível imaginá-las como pertencentes a uma pessoa apenas!

O pianista é o contraponto da atriz. Tanto um quanto o outro está em busca da platéia ideal. O problema é que ele quer o público dela e ela, o dele. Jean-François quer ser popular. Catherine odeia a própria popularidade. Acha-a vulgar. Pensa que a popularidade enfraquece o valor do seu trabalho. O pianista quer tocar para muita gente. Em um certo momento, ele diz para Jessica: “Desculpe...”. Ela pergunta: “- Por quê?” E ele: “Porque você é jovem, afinada e nunca conseguiu ir a um concerto. Porque considera esse tipo de mundo, um mundo a parte”.

Toda essa discussão parece ser uma crítica à ideia de que o sofisticado não convive com o popular. Há uma certa ironia sobre o que deve ser considerado refinado. Jacques, o colecionador de artes, comenta que seu pai costumava dizer a ele: “A gente deve comprar tudo o que os outros odeiam”.Ou seja, tudo aquilo que não é popular. O irônico é que este mesmo colecionador termina por oferecer sua coleção a uma platéia para ser leiloada. Trata-se de uma discussão leve que o filme conclui demonstrando que, no fundo, todos querem ter ou ser platéia.

Ao final, todos os eventos que estavam sendo preparados e ensaiados acontecem ao mesmo tempo, no mesmo dia e hora: o concerto, a peça, o leilão. E são exibidos com um eficiente uso da montagem paralela. Quem está num espetáculo, perde o que está acontecendo no outro. No caso, cada um tem sua platéia. E nós somos a platéia de todos! Numa troca de diálogos, o namorado pergunta à Jéssica: “O que você está procurando?”. Ela responde: “Uma boa cadeira de orquestra. Nem muito longe, nem muito perto”. E precisamos de mais alguma coisa?

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