domingo, 4 de outubro de 2009

A Partida

A partida (2009)

Branca Machado – 07/07/2009

Como fazer para se desapegar de um sonho? Deixá-lo ir e você ficar? Desistir de vez de uma ideia a qual você se dedicou boa parte da vida e que de certa forma tornou-se uma prisão? No filme “A partida”, assistimos a Daigo Kobayashi (Masairo Motoki) deixar de ser músico em uma orquestra de Tóquio e voltar para Yamagata, sua cidade natal, para trabalhar em uma agência que realiza rituais funerários. Muito mais que isso, assitimos a Daigo realizar uma trajetória interna.
Ganhador do Oscar 2009 de Melhor Filme de Língua Estrangeira, A Partida, de Yojiro Takita, inicia-se com um carro chegando na neblina e a voz do protagonista em off: “Agora, percebo como minha vida era inexpressiva até hoje”. O filme, então, volta 02 meses, com a apresentação da orquestra em que Daigo tocava violoncelo. Trata-se da última apresentação daquela orquestra. Ela será dissolvida e o protagonista resume: “O emprego do sonho virou memória”.
De repente, o violoncelo ficou pesado. Ao contar para sua esposa Mika (Riyoko Hirosue) o acontecido, ele não tem coragem de falar nem qual foi o preço do instrumento para a esposa. Mostra os números com a mão. Só este gesto resume o embaraço e a vergonha de Daigo naquele momento. E ele lembra: “Foi assim que eu a pedi em casamento: As cidades do mundo serão nosso lar. Viveremos em turnês.”
De Tóquio para Yamagata. Daigo pode achar que está nadando contra a corrente, mas, talvez, seja o contrário. Como ele mesmo reflete: “O que eu sempre havia considerado meu sonho, talvez, na verdade, não fosse...”. Ao procurar por emprego, Daigo encontra um anúncio de Jornal que diz: NK. Agente - Ajudando a partir. E supõe que se trata de uma agência de viagens. Mas a empresa ajuda aqueles que partiram. Realiza ritos funerários que eram costume no Japão e que, hoje, são raros. O primeiro serviço de Daigo foi pesado demais. Quando chega em casa, senta-se encolhido num banquinho, ao final da escada, em um corredor estreito, como se estivesse sem saída.
A princípio muito assustado e envergonhado com a nova função, Daigo começa a se envolver e entender que o que faz é muito mais que colocar corpos em caixão, é aninhar. “A limpeza tira a dor e a fadiga deste mundo. É o primeiro banho de um novo nascimento.” Ao discutir com a esposa que lhe manda arrumar um emprego decente, ele rebate: “Por que deveria me envergonhar? Por que toco pessoas mortas? Eu vou morrer. Você também.” Daigo renasceu. Tomou uma posição. E recomeça a tocar por prazer e para ele mesmo. Ao lidar com todas aquelas perdas, passa a valorizar a vida.
A trilha sonora de Joe Hisaishi é uma atração a parte e só por ela já devemos assistir ao filme. Além da linda canção principal de sua autoria, ouvimos peças como o Hino à Alegria, da Nona Sinfonia, de Beethoven, com orquestra e coral, a Ave Maria, de Gounod e o Wiegenlied, de Brahms, em solo de violoncelo.
O filme mostra a morte de forma lírica e a trata como uma passagem. É a partida deste mundo para outro. Daigo entende seu papel nesta partida. E passa a acondicionar mortos como se estivesse tocando em uma orquestra. O contrário também existe: aqueles que tocam como se estivessem enterrando alguém. É tudo uma questão de postura e disposição. De como você se posiciona diante da vida e dos outros. Os peixes que nadam contra a corrente, acabam morrendo. Talvez, Daigo esteja finalmente seguindo a sua natureza. E, deste modo, viver fica muito mais leve.

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