segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Ainda Estou Aqui

 

Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, e estrelado por Selton Mello, como Rubens Paiva; e Fernanda Torres, como Eunice Paiva, já levou mais de 2 milhões de espectadores ao cinema brasileiro. E não à toa. Ele é uma excelente produção que nos envolve ao contar uma história real ocorrida durante a ditadura militar brasileira.

O filme é uma adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, autor, entre outros, de “Feliz ano velho”. A história narra o sofrimento do escritor e de sua família diante do desaparecimento de seu pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado pelo regime militar.

Um dia, Rubens saiu de casa para ser interrogado e nunca mais voltou. A família só recebeu sua certidão de óbito 25 anos depois. Eunice, a viúva, mãe de 5 filhos, teve sua vida interrompida. Com isto, transformou-se. E assistir à luta desta mulher para continuar é envolvente e encorajador. É a jornada do herói da vida real.

O filme tem muitas cenas tocantes, realizadas com sutileza e delicadeza. A da câmera percorrendo a casa vazia onde a família morava no Leblon, após convivermos com tanta vida e alegria ali e a de Eunice, fechando as cortinas, ao se despedir do marido no dia em que ele saiu para ser interrogado são alguns exemplos.

Estas cenas devem ser mostradas. Estas histórias devem ser contadas. Ao revivermos o drama de Eunice, temos a certeza de que algumas coisas não podem voltar. Se, para se manter, é preciso calar o que não está a seu favor, já não deu certo. Eunice Paiva, com seu sorriso resistente e olhar melancólico, resgata a memória que tem que estar sempre por aqui.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

O Quarto ao Lado

 

O Quarto ao Lado, de Pedro Almodóvar, trata de um tema que esteve na pauta recente da imprensa brasileira: a morte assistida. Em outubro, o poeta, filósofo e letrista de canções Antônio Cícero, por ter sido diagnosticado com Alzheimer, optou por fazê-la.

Para isto, foi à Suíça, onde, devidamente justificada, a morte assistida é permitida. Antônio refletia sobre o tema. tanto que, em 2008, escreveu em um artigo para a Folha de São Paulo: “Como já dizia Sêneca, o sábio vive tanto quanto deve, não tanto quanto pode, pois o que lhe importa é a qualidade, não a quantidade de vida. Ora, se nem sempre a melhor vida é a mais longa, sempre a mais longa morte é a pior”.

Esta é a busca de Martha (Tilda Swinton) no filme: evitar a longa morte. Conforme explica: “Acho que mereço uma boa morte”. No vencedor do Festival de Veneza deste ano, Martha e Ingrid (Julianne Moore) foram grandes amigas na juventude e trabalharam juntas na Paper Magazine. Depois, cada uma seguiu seu caminho: Martha tornou-se repórter de guerra e Ingrid, escritora.

Na primeira cena, acompanhamos Ingrid na sessão de autógrafos de seu livro mais recente em uma livraria de Nova York. Ela encontra uma amiga que conta que Martha está realizando um tratamento de câncer e Ingrid resolve visitá-la no hospital.

Não à toa o livro que ela acabou de lançar tem o objetivo de “entender e aceitar a morte”. Ingrid se interessa sobre o tema. Por todo o tempo, acompanhamos as duas amigas nesta reflexão. Elas enchem a tela, com suas roupas coloridas, diálogos interessantes e o gosto por livros, filmes, viagens e boas histórias. Para mim, é um filme que diz mais sobre a vida que sobre a morte.

Em certo momento, Martha reflete: “Todos querem que você continue lutando, você contra a doença; o bem contra o mal.” Mas, naquela guerra, ela já era incapaz de escrever qualquer coisa, ou de se concentrar em um bom livro; e isto, para Martha, já não era mais lutar pela vida: “Eu fiquei reduzida. Resta pouco de mim mesma.”

Novamente, percebemos que amizades podem ser mais fortes que laços familiares. A empatia nesta relação, talvez, esteja mais livre de outras questões morais e, por isto, seja maior. Não fica difícil entender a escolha de Martha e a personagem, bem como a firme e serena atuação de Tilda Swinton, contribuem muito para isto. Ficamos também admirados com o apoio de Ingrid. Para ela não está fácil, mas ela está lá. No quarto ao lado.


segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Will e Harper


Will e Harper é um documentário da Netflix que fala sobre amizade, vínculos e sobre como, quando eles são fortes, eles se adaptam e até se fortalecem nas mudanças. Peguei a indicação do filme no Instagram da jornalista Cris Guerra que escreveu “Que coisa mais linda. Por favor, assista.”

O documentário mostra os 16 dias de viagem de carro pelo Estados Unidos de Will (Will Ferrell) e Harper (Harper Steele), amigos de mais de 30 anos e que trabalharam juntos no Saturday Night Lives. Harper foi roteirista e ex-chefe de redação do programa no qual Will atuou e ganhou fama.

Ela foi, por mais de 60 anos, Andrew Steele. E transicionou em 2022, em seguida à pandemia. Seus amigos não faziam ideia desta transformação, por isto, ela decidiu contar a cada um por meio de um email. Quando Will o recebeu, acolheu de imediato. Mas tinha muitas perguntas. A principal era: “Tá. E como a gente parte daqui?” Harper também tinha dúvidas sobre como ficaria aquela longa amizade depois de sua mudança.

Resolveram fazer uma viagem para esclarecerem tais pontos. E também para visitar lugares nos quais já tinham estado outras vezes. Os amigos sempre gostaram de “bares sebosos e cervejas ruins”. Harper frequentemente viajava pelo interior dos Estados Unidos e queria descobrir: “A minha transição vai mudar a forma como transito neste país?”

Mais, não vou contar. É importante que vejam. Por diversas vezes, emocionei-me. Acolhimento é transformador. Amizade é fundamental. Talvez, seja a relação que mais preserve o amor incondicional de que tanto se fala. Não à toa a música tema do filme tem como refrão “Amizade é amizade, é amizade até o fim”. Este tipo de relação toca, muitas vezes, mais que uma história de amor. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A Pior Pessoa do Mundo

 

O filme “A pior pessoa do mundo” é uma comédia dramática norueguesa que concorreu aos Óscares de melhor filme estrangeiro e roteiro original em 2022. Sua história aborda um momento de autoaprendizado e mudanças na vida de Julie (Renate Reinsve), que, ao longo da trama, completará 30 anos. Dividida em 12 capítulos mais um prólogo e um epílogo, a trama mostra a protagonista, assumindo as incertezas em sua vida. Julie está tentando se encontrar, e, com isto, desiste da faculdade de medicina por descobrir que “gosta da alma e não do corpo”. Mas, por ser uma pessoa visual, também não quer a psicologia, e, assim, resolve tentar a fotografia. Às vezes, escreve artigos. Para se sustentar, trabalha numa livraria. Como a boa aluna que foi, com notas excelentes, o caminho óbvio seria a medicina. Mas ela assume que nem sempre o óbvio é o que nos realiza. Em determinado momento, ela conhece Eivind (Herbert Nordrum) e o questiona: “Você não vai fazer as perguntas de sempre? Ele rebate: “Quais?” Julie cita: “Quem é você? O que faz da vida?”. Aos 30 anos, ela sente a forte pressão para saber tais respostas. O filme é criativo com utilização de diferentes recursos narrativos e tem uma trilha sonora impecável. Em determinado momento, o diretor Joachim Trier optou por congelar os personagens para que Julie tenha um momento romântico no qual, para ela, o mundo realmente para. Em outra situação, a narradora resume como viviam as mulheres da família de Julie, aos 30 anos de idade, por meio de porta-retratos que enfeitam a casa da sua mãe. Como escreveu o crítico Célio Silva para o portal G1 “Julie é uma protagonista humana demais”. Diz e faz coisas que nos incomodam; tem crises que compreendemos; tem conflitos com os quais nos identificamos e outros que não entendemos. Sua jornada é de busca. A atriz Mariana Xavier, em um programa da TV Brasil, afirma que autoestima “tem a ver com o entendimento de que você merece cuidado”. Merece um olhar atento sobre si. Julie se olha e busca entender quem é e o que quer. E esta busca é um cuidado que só nós podemos proporcionar a nós mesmos.

sexta-feira, 2 de agosto de 2024

Ficção Americana

Ficção Americana é uma comédia dramática que concorreu a melhor filme e Roteiro Adaptado no Oscar 2024. Disponível no Prime Vídeo, o filme é dirigido pelo estreante Cord Jefferson, que é também o roteirista da adaptação do livro "Erasure” de Percival Everet.

Ficção é uma criação artística em que o autor faz uma leitura particular da realidade. Pode ser também definida como ato ou efeito de fingir. De certa forma, “Ficção Americana” abarca os dois significados em sua narrativa. Além de a obra em si ser uma ficção, o protagonista é um autor de livros ficcionais, que, ao longo da história, passa a contar uma grande mentira.

Monk (Jeffrey Wright) é um negro que não se rende aos clichês racistas da sociedade americana. Seus livros não são sobre isto. Ele se considera acima deste drama. Mas, ao se ver em um lapso criativo, ele volta para a casa materna e passa a encarar dramas que há muito queria evitar. A verdade é que estes clichês não surgiram à toa. Estão aí porque se repetiram por anos e anos na história americana.

O filme faz uma crítica a como os americanos entendem a diversificação e absorvem a cultura afro-americana. Monk é um personagem descrito pela namorada Caroline (Erika Alexander) como um engraçado triste. Quando o irmão (Sterling K Brown) pergunta, todo empolgado, se seu livro realmente vai virar filme, ele responde: “Infelizmente, sim.” Esta é a única resposta coerente para este personagem. Faz sentido. Ele se rendeu. O filme faz pensar. Reforça o que sabemos e pontua que há muito mais para ser conhecido.

terça-feira, 2 de julho de 2024

Divertida Mente 2

 


A animação Divertida Mente 2 acrescenta 4 emoções às que a protagonista viveu no primeiro filme: Ansiedade, Vergonha, Tédio e Inveja. Elas chegam bagunçando tudo e não é à toa que os operários que invadem a mente de Riley colocam uma placa com o aviso: “Desculpem o transtorno. A puberdade é uma bagunça.”

Riley está agora com 13 anos. Numa transição nada fácil. Em um momento, está feliz. Em outro, angustiada. Aqui, carinhosa. Logo, agressiva. E é assim mesmo: um retrato da mente adolescente em meio a inúmeras mudanças físicas e psicológicas.

A emoção que mais se destaca é a ansiedade, que chega bem dominante na mente da menina. As emoções mais antigas tentam controlá-la numa batalha de sentimentos que nos prende do início ao fim da história.

Essa emoção é caracterizada com cabelo bagunçado, olhos esbugalhados e um sorriso exagerado. A equipe da Pixar que deu vida ao personagem — a diretora Kelsey Mann, a designer de personagens Deanna Marsigliese detalharam sua anatomia  (fonte: jornal O Globo): “Ansiedade e Medo compartilham aqueles olhos realmente expressivos e hipervigilantes. Mas onde o Medo tem um design realmente vertical, decidi que, em contraste, a Ansiedade seria mais horizontal. Foi aí que conseguimos aquela boca realmente larga. Lembro que alguém teve a ótima ideia de que ela teria um suéter que realmente coçava. Se você olhar para Tristeza, o suéter é aconchegante, parece cashmere. Mas o de Ansiedade parece ter essa lã que coça, o que meio que aumentou sua ansiedade.

A emoção se descreve como aquela que planeja o futuro. O problema é que ela trabalha com todas as possibilidades... E realmente precisa ser controlada pelos outros. Em participação menor, o tédio, a vergonha e a inveja também possuem características de design que combinam muito com o que eles representam. E, quando entram em cena, é sempre de forma bastante orgânica ao que se passa na mente de Riley.

Até agora, o filme teve mais de 1 bilhão de ingressos vendidos em todo o mundo. E isto é ótimo. Ele traz um olhar de compreensão. E destaca a importância do senso de si (experiência de integração de estados afetivos e corporais). A bagunça das emoções da puberdade diminui, mas não acaba totalmente. Somos humanos. E, aqui e ali, estaremos confusos, bagunçados. Por isso, Divertida Mente (o 1 e o 2) vale a pena ser assistido. Não apenas para nos ajudar a compreender nossos filhos, mas nossos colegas, família, amigos e, principalmente, a nós mesmos. 

 

sexta-feira, 31 de maio de 2024

Back to Black

 

O filme Back to Black de Sam Taylor-Johnson não foi um sucesso de crítica. Aliás, a maioria deles fez questão de se manifestar de forma negativa com relação à obra. Com exceção de alguns, como Nina Lemos, da coluna Estado das Coisas, que assumiu que gostou e que, além disso, o assistiu duas vezes. Eu estou com ela. O filme me envolveu. Achei que as composições da cantora foram apresentadas de forma orgânica e emocionante na história e que o casal principal Amy (Marisa Abela) e Blake (Jack O´Conell) brilhou e tem carisma.

O filme é uma cinebiografia. A história da cantora está ali. Romantizada? Talvez. Faltaram algumas verdades? Talvez. Mas, como a própria sinopse descreve, ele foi contado “da perspectiva de Amy”. E o pesar que sentimos com a perda precoce de uma cantora tão talentosa, a beleza de suas composições e interpretação em contraponto com a dureza do vício, a depressão, o escrutínio e a crueldade da imprensa estão ali retratados.

A história se inicia com Amy adolescente na casa de sua avó, que também foi cantora e é a principal inspiração da neta, inclusive no estilo. Entendemos, ali, a atração da cantora pelo vintage. Na relação com a avó, percebemos que Amy se entrega completamente e sem proteção a quem ama e isto tanto pode ser bom, quanto destrutivo. Com a avó, foi ótimo.

Com Blake, foi um caminho sem volta. Talvez, por estarmos sob a ótica de Amy, Jack O’Connell traz um Blake charmoso, divertido. Entendemos por que ela se apaixona. A relação dos dois é tóxica em todos os sentidos, mas, de alguma forma, pensamos que aquele casal podia funcionar. Em outro contexto. Ninguém ali é mau, ou intencionalmente quer prejudicar o outro. O amor existe.

A sensação que temos é a que Nina Lemos tão bem descreveu em sua coluna: “Vale ver o filme para lembrar do talento de Amy. E também para não esquecer do que foi feito com ela e lembrar mais uma vez que não há NADA de bonito em se destruir e morrer jovem.”.

Não dá para se manter indiferente ao ver aquela menina transformada e transtornada daquela forma. E, se a história já te causar esta sensação de inconformismo, chamar a atenção para a saúde mental, o vício, a perseguição impediosa da imprensa, já disse a que veio. No fim das contas, esta, para mim, é uma das principais funções da arte: fazer pensar, causar emoção. Inclusive, funções que foram cumpridas com brilhantismo pelas composições da cantora.


sexta-feira, 3 de maio de 2024

NYAD

Elizabeth Chai Vasarhelyi, diretora de Nyad, afirmou que o filme é sobre “uma mulher com mais de 60 anos que percebeu que sua vida não tinha chegado ao fim, mesmo que o mundo tenha decidido que ela não existia mais”.  Ao reagir a esta percepção, a protagonista supera limites e torna-se protagonista de uma saga inspiradora.

Baseado na história real de Diana Nyad (Annette Bening), o filme mostra a trajetória da atleta, que nadou de Cuba até a Flórida aos 64 anos de idade, em mar aberto, numa cruzada de 177 Km, que durou 52 horas e 54 minutos dentro da água. Parece sobre-humano. E, se não chega a ser, é para bem poucos.

Quando Diana decidiu tentar a travessia, havia 16 milhões de pessoas no mundo que nadavam em águas abertas. 116 delas nadaram por mais de 24 horas seguidas. E o feito de superar 48 horas só havia sido alcançado por 12 pessoas na história.

O que ela alcançou já seria uma rara conquista aos 20 anos de idade, mas ela fez aos 64. E não na primeira tentativa. Foi na quinta. Ela simplesmente não desistiu. E olha que teve motivos para isto. O desgaste físico, as dificuldades e os perigos são bem pontuados no filme. Tem hora que dá vontade de entrar lá e falar com ela: “Chega. Você já fez muito. Você não precisa disso”. Mas a narrativa nos mostra que ela precisava. E, ela chega a pontuar para sua treinadora e grande amiga (Jodie Foster): “Você tem que ficar em paz com a possibilidade da minha morte”. Ela preferia correr todos os riscos a não completar a travessia,

Nyad é uma heroína da vida real cujos superpoderes são foco, disciplina e obstinação, além da capacidade de montar um bom time. Ao conquistar a façanha a que se propôs, Diana deixou três recados para o público que a esperava na praia: Nunca desistam; nunca somos velhos demais para realizar sonhos; e, que, apesar  daquela travessia parecer um esporte solitário, não somos nada sem uma equipe. Como tudo na vida, não estamos sozinhos nas nossas realizações. E uma conquista sempre envolve mais de um. Que bom que é assim.

terça-feira, 2 de abril de 2024

Anatomia de uma Queda




Anatomia de uma Queda é um filme sobre um fato ao qual não temos acesso a todas as informações. A diretora e roteirista francesa Justine Triet não nos esclarece e somos submetidos à resolução do caso por meio das investigações e depoimentos. Portanto, cabe a nós tirarmos nossas conclusões. Justine tira de nós a vantagem de termos visto o que os investigadores não viram e nos torna um deles.

Vencedor do Oscar de melhor roteiro original, o filme narra a história de uma família que mora em uma casa isolada nos Alpes franceses. Lá, convivem Sandra (Sandra Hüller), uma bem-sucedida escritora alemã, Samuel (Samuel Maleski), seu marido francês e Daniel (Milo Machado), o filho de 11 anos do casal; que tem deficiência visual. Samuel é encontrado morto, após uma queda. A polícia passa a tratar o caso como um suposto homicídio. Sandra se torna a principal suspeita. A única testemunha, além da própria suspeita, é Daniel.

Apesar de não vermos a cena da queda, assistimos a todo o escrutínio do fato, desde a análise meticulosa do legista até a reconstrução da queda com a presença do filho e de Sandra, que deve inclusive repetir os diálogos que teve com o marido pouco antes de sua morte.

O que vemos é uma leal referência ao rigor da lei e a um trabalho sério e meticuloso de investigação. O termo anatomia é derivado do grego ana, que significa “partes”, e tomei, que significa “cortar”. E é isto que se faz naquela investigação. Analisa-se cada parte para que se consiga chegar o mais perto possível da verdade.  Com ritmo e intensidade, o filme nos prende à trama de forma bastante eficiente

A melhor estratégia de defesa para Sandra é a tese do suicídio de Samuel. A queda é improvável, a morte é suspeita; e Sandra, uma pessoa controversa. Para uma mulher. Se os papéis fossem opostos, talvez, não estranhariam tanto certas atitudes dela ao longo da relação. Porque o casamento também passa por uma devassa anatômica no processo. Poucas relações iriam passar ilesas pelo promotor que assume o caso.

Podemos dizer que, no filme, temos um ponto de vista neutro, que seria o do filho, única pessoa presente, além da mãe, que é suspeita. Seu depoimento é protegido por uma representante da lei que o acompanha o tempo todo antes do julgamento. Ela explica para ele “A lei não é sua amiga. Porque ela é igual para todos”.  E, Daniel replica que o tipo de coisa que ele iria contar ele só contaria para amigos. É um terreno incerto no qual um filho, que também não testemunhou tudo, vai depor no julgamento da mãe.

É fato que nunca saberemos o que realmente aconteceu naquela queda. Muita gente vai sair com a certeza de que aconteceu de um jeito e muitos outros sairão com a convicção que foi de outro. Vale demais o debate e a certeza de que a gente convive mesmo é com a dúvida.

domingo, 3 de março de 2024

Maestro

Maestro é uma cinebiografia do músico Leonard Bernstein, que retrata o complexo romance entre o maestro Bernstein (Bradley Cooper) e Felicia Montealegre (Carey Mulligan). Estrelado e dirigido por Cooper, o filme foi indicado a 7 Oscars em 2024 nas categorias melhor filme, melhor ator (Cooper), melhor atriz (Mulligan), melhor roteiro original, melhor som, melhor maquiagem e cabelo e melhor fotografia.
No início, assistimos à Bernstein já idoso ao piano sendo filmado por uma equipe de produção em meio a uma entrevista. Em certo momento, o jornalista pergunta “Você sente falta dela?” e Leonard responde: “Muito”. E comenta: “Eu a carrego bastante comigo. Eu sempre a vejo no jardim trabalhando. Nossos filhos ficam com inveja porque nunca a veem”.
O filme, então, volta ao passado para nos explicar quem é ela. Ela é Felícia Montealegre, estrela da Broadway. a quem Leonard conheceu no início da fama. Acompanhamos como os dois se conheceram, se envolveram e entendemos o motivo da pergunta do jornalista e, principalmente, da resposta de Bernstein. Aquele encontro foi para sempre. Em certo momento, Leonard descreve: “Você tem uma carreira que exige versatilidade para interpretar tantas personagens. Minha conclusão é que você, minha querida, é muito parecida comigo. Você teve que pegar todos os pedacinhos de você espalhados por esses variados cenários e criar a pessoa autêntica que está diante de mim”.
Leonard tinha várias nuances, como a música. Talvez, por isto a compreendesse tão bem. Vivia como maestro e compositor, homossexual e apaixonado por Felicia, judeu e artista em Nova York. Ele era muitos e se questionava: “O mundo quer que a gente seja uma pessoa só. E isto é deplorável”.
Não à toa, um professor diz a ele “você pode ser o primeiro grande maestro americano, mas, para isso, terá que conduzir sua vida.” E é esta a condução principal que o personagem busca realizar na história. Algumas transições foram montadas justamente assim: a vida particular e a artística se atravessando. Em um momento eles estão em um jardim; no outro, em um teatro. Não são vidas paralelas, são intricadas. Não dá para separar.
O problema desta condução é que ela envolvia outras pessoas que, na maioria das vezes, tinham um caminho mais reto. Neste caso, as nuances de Leonard podiam magoar. E o fato de provocar esta mágoa também feria Leonard.
Acompanhamos esta condução nem sempre fácil, nem sempre feliz, mas bonita, carregada de amor. E ficamos, ao final, com a compreensão de Felicia, quando afirma: “A gente só precisa ser sensível com os outros. Ser gentil”. Se seguirmos nesta toada, já seremos bons condutores neste grande teatro da vida.