domingo, 6 de agosto de 2023

O Beco do Pesadelo

 Na coluna deste mês, volto a comentar um filme de Guilherme de Del Toro. Desta vez, é O Beco do Pesadelo, lançado em 2021, mas ao qual assisti recentemente. A produção recebeu quatro indicações ao Oscar 2022 - melhor filme, melhor fotografia, melhor figurino e melhor direção de arte - e, além do diretor, que já é uma qualidade por si só, ainda tem um elenco composto por nomes como Cate Blanchett, Willem Dafoe, Toni Collette, Bradley Cooper, Rooney Mara, entre outros.

A versão de Del Toro é a segunda adaptação para o cinema do livro Nightmare Alley, de William Lindsay Gresham, originalmente publicado em 1946. Sua primeira versão cinematográfica foi O Beco das Almas Perdidas (1947), dirigido por Edmund Goulding.

Beco do Pesadelo tem estilo noir, com cenas noturnas, escuras, sombras, a femme fatale, personagens misteriosos, um protagonista ambíguo e o caráter simbólico da narrativa; ele já se inicia com uma profecia. Quando o protagonista Stanton Carlisle (Bradley Cooper) é acordado no ponto final de uma viagem, escuta: “Última parada. Fim de linha.”

Ele, então, chega em uma feira decadente cujas atrações principais são desajustados: mulher que leva descargas elétricas, videntes, o menor homem do mundo e o geek, que não se sabe se é um homem ou um bicho. Em suma, aquele que quase perde sua essência humana e se porta como um animal. Uma saga não tão incomum, como, a princípio, podemos pensar. Sobre tais shows, Clem (Willem Dafoe),  gerente da feira, explica: “As pessoas pagam muito dinheiro para se sentirem bem consigo mesmas”. Ao verem o grotesco, se sentem melhor.

No caso de Zeena (Toni Collette), a vidente, seus truques funcionam bem porque as pessoas são desesperadas para serem vistas. E é nesta atração que Stan achará uma oportunidade de fazer sucesso. Toma Pete (David Strathairn), marido de Zeena, como seu mestre e aprende a “ver” as pessoas. Ou melhor, aprende a ler o desespero delas. Torna-se um sucesso. Com isto, mais ambicioso e ousado. E, neste caminho, conhece Lilith (Cate Blanchett), uma psicóloga que segundo ele “é mais discreta, mas é trambiqueira igual a mim”. A dinâmica entre os dois é interessante, desafiadora, ficamos interessados em saber o que resultará daquela parceria. Como comenta Kevin Rick no site Plano Crítico, "Lilith Ritter é provavelmente a melhor personagem em termos de conflito narrativo com Stan, trazendo uma leve camada de psicanálise ao já intrigante estudo de personagem do protagonista sob a ótica da natureza humana, principalmente ambição e sucesso”.

Não à toa, em uma de suas lições a Stan, Pete enfatiza: “Se o homem insiste na mentira e começa a sentir que tem poder com ela, ele fica cego. E passa a acreditar na própria mentira.” O tema é atual por se tratar praticamente do conceito da pós-verdade. No filme, é literal. Não se deve trabalhar com a mentira. Stan foi alertado, mas se cegou e é aí que seu ciclo se fecha tragicamente de volta a sua última parada. Não foi por falta de aviso. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário