Branca
Machado – 21/08/2015
Dogville
é uma cidade no fim de uma estrada. Ela é cercada por montanhas e
uma mina abandonada. Possui poucos habitantes.O equilíbrio dessa
sociedade é quebrado pela chegada de Grace (Nicole Kidman), que
surge na vila
ao fugir de gangsteres.
Dirigido
por Lars Von Trier, o filme é composto de um prólogo e 09
capítulos. O prólogo nos ambienta ao inusitado do filme como a
falta de cenário, a marcação teatral e o narrador irônico.
Durante ele,
percebemos
sinais
do
caráter
da população de
Dogville.
Há uma cena em que Chuck (Stellan Skarsgard) repreende o filho Jason
por ter dado um osso com carne para Moisés, o cachorro. O filho é
seriamente repreendido: “Moisés foi feito para passar fome.”
Mais tarde, Liz Hensen (Chloe Sevigny) atende a porta e, ao ver Tom
Edison (Paul Bettany), comenta, sem cumprimentá-lo: “Seria melhor
se fosse alguém mais interessante. Você tem que vir aqui todos os
dias?” Estas pequenas interações sugerem que os cidadãos, no
mínimo, não são dos mais delicados.
No
capítulo 01, assistimos a Tom descrever para Grace todos os
habitantes da cidade. Novamente, a cena é utilizada para que os
espectadores também os conheçam e são introduzidos novos indícios
do que está por vir. Tom diz a Grace que a cidade possui pessoas
boas e honestas e faz um comentário profético:
“Acho que você tem muito a oferecer a Dogville.” No capítulo
02, somos apresentados à rotina da cidade, que, aliás,
funcionava
perfeitamente sem a heroína. Na tentativa de integrar a nova
habitante, Ma Ginger (Lauren Bacall) diz: “Talvez, eu precise de
você aqui.” E Mrs. Hensen (Blair Brown) argumenta: “Mas a gente
não precisa que ela faça coisa alguma.” E Ma Ginger conclui:
“Talvez algo que não precisa ser feito.”. E, assim, Grace é
introduzida na dinâmica de Dogville, onde ela se tornará cada vez
mais necessária. O narrador (John Hurt, sempre irônico) finaliza:
“Havia muitas coisas que não precisavam ser feitas na cidade”.
Tom é um escritor, que, até então, não havia escrito nenhum livro, mas que prega um rearmamento moral. Sob o argumento de que todos limpam a própria neve, mas não a dos outros; é ele quem convence os habitantes a aceitar receber Grace por 02 semanas para, depois, decidirem, se ela deve permanecer. Ao se integrar à rotina, Grace torna-se amiga de Vera (Patricia Clarkson), cérebro de Bill (Jeremy Davies), mãos de Ben (Jeljko Ivanek), olhos de Mckay (Ben Gazarra) e assim por diante. Ocorre que, apesar disso ou justamente por isso, aqueles cidadãos consideram que estão fazendo um favor a Grace. E nem por um momento se esquecem disso. Quando a situação dela passa de “desaparecida” para “procurada”, por “uma questão de equilíbrio”, o preço fica mais alto. Seu salário será diminuído e ela terá que trabalhar por mais horas.
À medida que o filme avança, vemos surgir a verdadeira natureza daquela sociedade. Que, muitas vezes, diz uma coisa, mas faz outra. O que eles falam passa longe de significar o que realmente querem dizer. São evasivos, mudam de assunto, respondem outra coisa. São contra, quando determinado tema surge em alguma conversa, mas votam a favor. A falta de paredes no cenário pode representar justamente isso. Nós vemos o que eles tão fazendo em contraposição ao seu discurso. Enxergamos as contradições. Ao mesmo tempo, na cena em que Grace é estuprada, a ausência de paredes demonstra a cegueira do grupo diante do que está tão próximo. Ou ainda, pode ser uma alusão à hipocrisia daqueles personagens. Será que evitam ver? Podem estar fazendo o que sempre fazem: virando a cabeça, mudando de assunto.
Tom é um escritor, que, até então, não havia escrito nenhum livro, mas que prega um rearmamento moral. Sob o argumento de que todos limpam a própria neve, mas não a dos outros; é ele quem convence os habitantes a aceitar receber Grace por 02 semanas para, depois, decidirem, se ela deve permanecer. Ao se integrar à rotina, Grace torna-se amiga de Vera (Patricia Clarkson), cérebro de Bill (Jeremy Davies), mãos de Ben (Jeljko Ivanek), olhos de Mckay (Ben Gazarra) e assim por diante. Ocorre que, apesar disso ou justamente por isso, aqueles cidadãos consideram que estão fazendo um favor a Grace. E nem por um momento se esquecem disso. Quando a situação dela passa de “desaparecida” para “procurada”, por “uma questão de equilíbrio”, o preço fica mais alto. Seu salário será diminuído e ela terá que trabalhar por mais horas.
À medida que o filme avança, vemos surgir a verdadeira natureza daquela sociedade. Que, muitas vezes, diz uma coisa, mas faz outra. O que eles falam passa longe de significar o que realmente querem dizer. São evasivos, mudam de assunto, respondem outra coisa. São contra, quando determinado tema surge em alguma conversa, mas votam a favor. A falta de paredes no cenário pode representar justamente isso. Nós vemos o que eles tão fazendo em contraposição ao seu discurso. Enxergamos as contradições. Ao mesmo tempo, na cena em que Grace é estuprada, a ausência de paredes demonstra a cegueira do grupo diante do que está tão próximo. Ou ainda, pode ser uma alusão à hipocrisia daqueles personagens. Será que evitam ver? Podem estar fazendo o que sempre fazem: virando a cabeça, mudando de assunto.
Em
Dogville, assistimos ao conflito entre a extrema entrega de Grace e o
quid pro quo dos moradores da cidade. Os habitantes não dão nada.
Desde que Grace chega, ela paga por sua aceitação. E, dessa forma,
surge o embate entre o sistema de trocas estabelecido pelos moradores
e a insistente e, às vezes, irritante, servidão de Grace. Este
altruísmo exacerbado será plenamente explorado pelos personagens,
que constantemente usarão o discurso do equilíbrio, presente, por
exemplo, na afirmação de Ben ao subjugar Grace: “Não tenho
escolha. Não posso fazer isso de graça.”
Ao final, parece que Grace também não tem escolha. As nuvens saem, e
ela enxerga a cidade por outras luzes. O altruísmo insistente que,
aos olhos de seu pai (James Caan), sempre foi interpretado como
arrogância, finalmente sucumbiu. O que os cidadãos fizeram não foi
bom o bastante. Grace não se volta contra eles particularmente, mas
contra a quebra de suas altas expectativas. E é obrigada a admitir:
O mundo ficará bem melhor sem Dogville. E, apesar da quebra da
catarse, da ausência da empatia, que Lars Von Trier procura nos
impor com a falta de cenário, a ausência de trilha sonora, a
narrativa irônica, entre outros artifícios, nós também achamos
isso.