sábado, 4 de julho de 2015

Vendedor de passados (2015)

Branca Machado – 29/05/2015

        Desde que começamos a estudar, ouvimos que é importante conhecer o passado para entender o presente e planejar o futuro. No caso do passado individual, o comum é a afirmação de que são os eventos do passado que determinam o que somos hoje. Mas e, se o que você é hoje, for uma ruptura total com o que ficou para trás?  E, se o seu presente, puder definir o seu passado e não o contrário? Esta é premissa de O Vendedor de Passados, filme de Lula Buarque de Holanda, baseado no livro de mesmo nome do angolano José Eduardo Agualusa.          
     Se não há como mudar a história, compra-se uma outra versão. Vicente (Lázaro ramos) trabalha como este vendedor de passados a partir do que a pessoa é no presente. A história do comprador é construída posteriormente e tem como produtos álbuns de fotografia, certidões de casamento e o que mais for necessário para corroborar o passado inventado como verdadeiro. O trabalho é complexo e dedicado. Acompanhamos Vicente reconstruir, por exemplo, o passado de Ernane (Anderson Müller), um ex-obeso que, quando tinha 08 anos, pesava 60 kg; quando tinha 14, pesava 80 kg; e, quando tinha 16, pesava 130. Não saía mais de casa. Com 34 anos, fez cirurgia bariátrica e várias plásticas. E, então, quis forjar a vida que não teve. Passou a ter ex –mulher, morou no exterior. Até seu convite de casamento, Vicente criou. Ao receber o produto, Ernane expõe seus motivos para ter encomendado uma nova história:  “Eu vou conseguir uma mulher agora, né? Toda mulher solteira se interessa por um homem divorciado e rico.”
        Vicente é também o narrador e sobre o passado ele afirma: “O passado é tudo aquilo que você lembra, o que você pensa que lembra, o que você se convence de que lembra e aquilo que você finge que lembra.” E, se você pode fingir, pode comprar, pode vender...Certo? Para ele, parece que sim.

     Quando surge uma cliente (Alinne Moraes) que simplesmente quer comprar um passado, mas sem dar uma pista de seu presente, a tarefa fica mais difícil para o protagonista. Não há ponto de partida. Até então, Vicente sempre havia criado o passado sem perder de vista a realidade que cerca seu cliente, criando uma história pregressa que fundia ficção com realidade. Ele argumenta que é muito fácil desmascarar um passado completamente novo. Os motivos da cliente por querer começar do zero não são muito claros e este fato trará suspense ao filme. Nos diálogos entre Vicente e Clara, nome dado por Vicente à cliente,  paira sempre uma dúvida do que é ficção e do que é verdadeiro.          
      O filme não aprofunda, mas aborda questões bem interessantes. Leva-nos a repensar nossas lembranças. Provoca também uma reflexão contemporânea sobre a construção de vidas e discursos por meio de novas mídias como Facebook, Instagram, sites de relacionamento, entre outros. Será que, de certa forma, não é isso que se faz lá? O que existe é basicamente uma edição de momentos felizes. Até que ponto esta edição pode resgatar a autoconfiança? Ajudar a superar frustrações? A memória está atrelada à identidade. E não deixa de ser um bom exercício pensar em como teria sido nosso passado a partir de quem somos hoje. 

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