quinta-feira, 1 de maio de 2025

Oeste outra vez



Oeste outra vez já indica a que veio no nome. Traz o gênero clássico, ambientado no velho Oeste dos Estados Unidos, para o sertão de goiás. Estamos nele outra vez? Em muitos aspectos, sim. Temas como honra, justiça com as próprias mãos, rivalidade e violência estão lá. Mas, há também um lado bem diferente: a masculinidade, tão viril em filmes do gênero, é desconstruída no filme de Érico Rassi.

Não vemos cowboys galãs, elegantes, imbatíveis. São personagens de um sertão nada plástico. Babu Santana e Ângelo Antônio interpretam dois rivais. Após Luiza (Tuanny Araújo) trocar Totó (Ângelo Antônio) por Durval (Babu Santana), Totó quer vingança. Alguns críticos disseram que, apesar da trama, o filme é lento com uma disputa que custa a sair do lugar. Mas trata-se do ritmo daquele sertão. Daqueles personagens. São lentos. São limitados. Não poderiam mesmo estar em um thriller dinâmico.

Com apenas uma mulher em cena durante 30 segundos, o filme mostra homens frágeis, querendo honrar algo que nunca tiveram. A impressão que se tem é que elas saíram de cena porque não têm mais paciência. Como escreveu Luiza Missi do Splash: “a nova aposta do cinema nacional quase não tem mulheres em cena, e isso é bom.” O lugar delas não deve ser mesmo ali. Ao lado de homens, cuja vida se limita a tomar um shot, ver o tempo passar e arrumar motivos para tornarem-se mocinhos e bandidos. Elas merecem mais.

“Oeste outra vez” mostra, assim, o lado b do estilo que representa. Talvez, muito mais real. O que vemos ali são homens inseguros, carentes, buscando propósitos aleatórios. Até na sinuca, presente em todos os bares em cena, não os vemos encaçapar uma bola. É uma versão que causa descolamento, comicidade e, quem sabe, um certo desconforto. Afinal, enxergar-se sem máscaras traz uma enorme vulnerabilidade. 


segunda-feira, 31 de março de 2025

Anora

 




Anora foi o vencedor do Oscar 2025. Além do prêmio de melhor filme, levou mais quatro: roteiro original, montagem, direção e atriz. Ele ainda venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Claro, não foi à toa. Mas também não é tão simples entender o motivo para este sucesso. Tem quem tenha adorado; tem que tenha achado bastante injusto. Indiferente, ninguém ficou.

O filme narra a história de Anora (Mikey Madison), uma dançarina erótica que conhece o herdeiro de um oligarca russo, casa-se com ele e, em seguida, é perseguida e coagida a anular o casamento.

O diretor Sean Baker realiza uma mescla de estilos cinematográficos de forma eficiente e faz com que a gente pense estar acompanhando uma história e, de repente, estamos em outra. No começo, ficamos inquietos e até incomodados com a forma eufórica e alucinante com que a história se passa. Sexo, drogas e até amigos são prazeres tão fugazes que, nem durante o “consumo”, parece haver total satisfação. Há no olhar e nos movimentos daqueles personagens uma falta de foco e uma certa aleatoriedade que não soam divertidos.

A história chega a parecer romântica com a decisão do herdeiro russo de se casar com a prostituta. Mas esta impressão também é fugaz. Logo em seguida, o filme torna-se  um thriller intenso de busca com planos sequências e personagens que nos lembram gangsters. Alguns, até cômicos. É neste ponto que surge o capanga armênio Igor (Yura Borisov) que passa a ser interesse da câmera. Ele é o único que enxerga a protagonista de uma forma mais humana, talvez, por entender, como afirma a crítica cinematográfica Isabela Boscov, que ambos estão na parte mais baixa daquela pirâmide social.

Podem lutar, gritar (e como Anora grita!) que, ali, não têm a menor chance. Ela tenta. Ele, nem isto. Resignado, tem um olhar de compreensão que a gente só percebe porque o diretor nos guia para ele. O filme é, portanto, um exercício cinematográfico bastante interessante. Mas, talvez, por isto, deixou de nos envolver de forma a torcermos verdadeiramente pelos personagens.  A cena final precisa desta conexão para ser absorvida em sua totalidade. Sem ela, causa estranhamento. Mas é bom ver Anora chorar. Ela estava precisando. 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Conclave

Conclave, dirigido por Edward Berger, recebeu 8 indicações ao Oscar 2025, entre elas, melhor filme, melhor ator (para Ralph Fiennes) e melhor roteiro adaptado. Baseado no livro de mesmo nome, do autor Robert Harris, sua trama se passa no Vaticano durante um conclave papal agitado por mistérios, intrigas e suspense.

A história começa com a morte repentina do Papa e com o Cardeal Lawrence (Fiennes) sendo indicado para gerenciar o conclave de escolha do novo Pontífice. A partir daí, o filme se passa durante o processo ultrassecreto e ritualístico da escolha do novo Papa e apenas nas dependências onde ele acontece. Vemos e convivemos com os ambientes que os cardeais votantes frequentam. A palavra “conclave” A palavra “conclave” pode ser traduzida como um lugar que pode ser fechado por chave e é assim que estamos, juntamente com os cardeais, e sentimos, como eles, que aquela escolha não vai ser fácil.

São 108 participantes e é preciso obter 2/3 dos votos. Não há candidatos. Todos ali podem ser escolhidos. Mas existem tendências opostas: Tedesco (Sergio Castellitto); o cardeal ultraconservador de Veneza; Bellini (Stanley Tucci); progressista, defensor, por exemplo, de direito das mulheres dentro do Vaticano; e alguns azarões como Benítez (Carlos Diehz), que defende que “A igreja não é passado. É o que faremos a seguir”.

Mentiras, acontecimentos passados e dúvidas permeiam a escolha e o andamento do processo; o que nos prende à trama e nos remete às eleições políticas. Fotografia e trilha sonora reforçam toda esta tensão e ajudam a envolver o espectador.

Alguns irão se surpreender com o final, mas, para mim, a decisão do Decano foi coerente com seu personagem. Afinal, em seu discurso de abertura, Lawrence declarou: “Nossa fé é uma coisa viva. Precisamente porque anda de mãos dadas com a dúvida. Se houvesse apenas certeza e nenhuma dúvida, não haveria mistério. E, portanto, nenhuma necessidade de fé.” Escolhendo, assim, o “talvez” do Cardeal Benítez “Talvez seja a minha diferença que me tornará mais útil”.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2024

Ainda Estou Aqui

 

Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, e estrelado por Selton Mello, como Rubens Paiva; e Fernanda Torres, como Eunice Paiva, já levou mais de 2 milhões de espectadores ao cinema brasileiro. E não à toa. Ele é uma excelente produção que nos envolve ao contar uma história real ocorrida durante a ditadura militar brasileira.

O filme é uma adaptação do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, autor, entre outros, de “Feliz ano velho”. A história narra o sofrimento do escritor e de sua família diante do desaparecimento de seu pai, o ex-deputado federal Rubens Paiva, assassinado pelo regime militar.

Um dia, Rubens saiu de casa para ser interrogado e nunca mais voltou. A família só recebeu sua certidão de óbito 25 anos depois. Eunice, a viúva, mãe de 5 filhos, teve sua vida interrompida. Com isto, transformou-se. E assistir à luta desta mulher para continuar é envolvente e encorajador. É a jornada do herói da vida real.

O filme tem muitas cenas tocantes, realizadas com sutileza e delicadeza. A da câmera percorrendo a casa vazia onde a família morava no Leblon, após convivermos com tanta vida e alegria ali e a de Eunice, fechando as cortinas, ao se despedir do marido no dia em que ele saiu para ser interrogado são alguns exemplos.

Estas cenas devem ser mostradas. Estas histórias devem ser contadas. Ao revivermos o drama de Eunice, temos a certeza de que algumas coisas não podem voltar. Se, para se manter, é preciso calar o que não está a seu favor, já não deu certo. Eunice Paiva, com seu sorriso resistente e olhar melancólico, resgata a memória que tem que estar sempre por aqui.

sexta-feira, 1 de novembro de 2024

O Quarto ao Lado

 

O Quarto ao Lado, de Pedro Almodóvar, trata de um tema que esteve na pauta recente da imprensa brasileira: a morte assistida. Em outubro, o poeta, filósofo e letrista de canções Antônio Cícero, por ter sido diagnosticado com Alzheimer, optou por fazê-la.

Para isto, foi à Suíça, onde, devidamente justificada, a morte assistida é permitida. Antônio refletia sobre o tema. tanto que, em 2008, escreveu em um artigo para a Folha de São Paulo: “Como já dizia Sêneca, o sábio vive tanto quanto deve, não tanto quanto pode, pois o que lhe importa é a qualidade, não a quantidade de vida. Ora, se nem sempre a melhor vida é a mais longa, sempre a mais longa morte é a pior”.

Esta é a busca de Martha (Tilda Swinton) no filme: evitar a longa morte. Conforme explica: “Acho que mereço uma boa morte”. No vencedor do Festival de Veneza deste ano, Martha e Ingrid (Julianne Moore) foram grandes amigas na juventude e trabalharam juntas na Paper Magazine. Depois, cada uma seguiu seu caminho: Martha tornou-se repórter de guerra e Ingrid, escritora.

Na primeira cena, acompanhamos Ingrid na sessão de autógrafos de seu livro mais recente em uma livraria de Nova York. Ela encontra uma amiga que conta que Martha está realizando um tratamento de câncer e Ingrid resolve visitá-la no hospital.

Não à toa o livro que ela acabou de lançar tem o objetivo de “entender e aceitar a morte”. Ingrid se interessa sobre o tema. Por todo o tempo, acompanhamos as duas amigas nesta reflexão. Elas enchem a tela, com suas roupas coloridas, diálogos interessantes e o gosto por livros, filmes, viagens e boas histórias. Para mim, é um filme que diz mais sobre a vida que sobre a morte.

Em certo momento, Martha reflete: “Todos querem que você continue lutando, você contra a doença; o bem contra o mal.” Mas, naquela guerra, ela já era incapaz de escrever qualquer coisa, ou de se concentrar em um bom livro; e isto, para Martha, já não era mais lutar pela vida: “Eu fiquei reduzida. Resta pouco de mim mesma.”

Novamente, percebemos que amizades podem ser mais fortes que laços familiares. A empatia nesta relação, talvez, esteja mais livre de outras questões morais e, por isto, seja maior. Não fica difícil entender a escolha de Martha e a personagem, bem como a firme e serena atuação de Tilda Swinton, contribuem muito para isto. Ficamos também admirados com o apoio de Ingrid. Para ela não está fácil, mas ela está lá. No quarto ao lado.


segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Will e Harper


Will e Harper é um documentário da Netflix que fala sobre amizade, vínculos e sobre como, quando eles são fortes, eles se adaptam e até se fortalecem nas mudanças. Peguei a indicação do filme no Instagram da jornalista Cris Guerra que escreveu “Que coisa mais linda. Por favor, assista.”

O documentário mostra os 16 dias de viagem de carro pelo Estados Unidos de Will (Will Ferrell) e Harper (Harper Steele), amigos de mais de 30 anos e que trabalharam juntos no Saturday Night Lives. Harper foi roteirista e ex-chefe de redação do programa no qual Will atuou e ganhou fama.

Ela foi, por mais de 60 anos, Andrew Steele. E transicionou em 2022, em seguida à pandemia. Seus amigos não faziam ideia desta transformação, por isto, ela decidiu contar a cada um por meio de um email. Quando Will o recebeu, acolheu de imediato. Mas tinha muitas perguntas. A principal era: “Tá. E como a gente parte daqui?” Harper também tinha dúvidas sobre como ficaria aquela longa amizade depois de sua mudança.

Resolveram fazer uma viagem para esclarecerem tais pontos. E também para visitar lugares nos quais já tinham estado outras vezes. Os amigos sempre gostaram de “bares sebosos e cervejas ruins”. Harper frequentemente viajava pelo interior dos Estados Unidos e queria descobrir: “A minha transição vai mudar a forma como transito neste país?”

Mais, não vou contar. É importante que vejam. Por diversas vezes, emocionei-me. Acolhimento é transformador. Amizade é fundamental. Talvez, seja a relação que mais preserve o amor incondicional de que tanto se fala. Não à toa a música tema do filme tem como refrão “Amizade é amizade, é amizade até o fim”. Este tipo de relação toca, muitas vezes, mais que uma história de amor. 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024

A Pior Pessoa do Mundo

 

O filme “A pior pessoa do mundo” é uma comédia dramática norueguesa que concorreu aos Óscares de melhor filme estrangeiro e roteiro original em 2022. Sua história aborda um momento de autoaprendizado e mudanças na vida de Julie (Renate Reinsve), que, ao longo da trama, completará 30 anos. Dividida em 12 capítulos mais um prólogo e um epílogo, a trama mostra a protagonista, assumindo as incertezas em sua vida. Julie está tentando se encontrar, e, com isto, desiste da faculdade de medicina por descobrir que “gosta da alma e não do corpo”. Mas, por ser uma pessoa visual, também não quer a psicologia, e, assim, resolve tentar a fotografia. Às vezes, escreve artigos. Para se sustentar, trabalha numa livraria. Como a boa aluna que foi, com notas excelentes, o caminho óbvio seria a medicina. Mas ela assume que nem sempre o óbvio é o que nos realiza. Em determinado momento, ela conhece Eivind (Herbert Nordrum) e o questiona: “Você não vai fazer as perguntas de sempre? Ele rebate: “Quais?” Julie cita: “Quem é você? O que faz da vida?”. Aos 30 anos, ela sente a forte pressão para saber tais respostas. O filme é criativo com utilização de diferentes recursos narrativos e tem uma trilha sonora impecável. Em determinado momento, o diretor Joachim Trier optou por congelar os personagens para que Julie tenha um momento romântico no qual, para ela, o mundo realmente para. Em outra situação, a narradora resume como viviam as mulheres da família de Julie, aos 30 anos de idade, por meio de porta-retratos que enfeitam a casa da sua mãe. Como escreveu o crítico Célio Silva para o portal G1 “Julie é uma protagonista humana demais”. Diz e faz coisas que nos incomodam; tem crises que compreendemos; tem conflitos com os quais nos identificamos e outros que não entendemos. Sua jornada é de busca. A atriz Mariana Xavier, em um programa da TV Brasil, afirma que autoestima “tem a ver com o entendimento de que você merece cuidado”. Merece um olhar atento sobre si. Julie se olha e busca entender quem é e o que quer. E esta busca é um cuidado que só nós podemos proporcionar a nós mesmos.