sexta-feira, 5 de setembro de 2025

A mulher da casa abandonada

O documentário “A mulher da casa abandonada” é uma adaptação do podcast de mesmo nome, produzido pelo jornalista Chico Felitti, em 2022.

Felitti conta que, durante a pandemia, começou a caminhar pelo bairro Higienópolis em São Paulo e a reparar numa outrora mansão, mas, agora, abandonada. Nela, de vez em quando, ele via uma mulher estranha, malvestida, com o rosto muito branco no lado externo da casa.

Resolveu investigar, a princípio, por desconfiar de maus tratos a idosos. Mas, depois, descobriu que havia algo bem pior. O podcast viralizou pelo mistério em torno desta mulher; que, ao longo de suas investigações, Felitti descobriu se tratar de Margarida Bonetti, descendente de uma família da aristocracia paulista.

Não só isto, mas que ela e seu ex-marido, Renê Bonetti, foram acusados de manter uma empregada ilegalmente nos EUA em situações análogas à escravidão. Eles foram julgados naquele país e condenados. Margarida retornou ao Brasil antes do julgamento e ficou foragida, desde então. Mesmo assim, o caso teve um impacto nos EUA, resultando na criação de uma lei que protege vítimas de trabalho forçado.

Lançado pela Amazon Prime, o documentário traz depoimentos inéditos da vítima, Hilda Rosa dos Santos, de 85 anos. Em certo momento, ela se questiona: “Por que me fazer sofrer tanto assim?”.

Novamente, assistimos à monstruosidade de pessoas reais. Como eu escrevi na coluna de julho, elas não são incomuns. Mas são sempre chocantes. E o discurso banal para justificar o sórdido está também presente.  Ouvimos coisas como “Foi um choque cultural. No Brasil, isto não teria nada demais”.

Em nenhum momento, Margarida ou René reconhecem ter feito algo errado com Hilda. Em todas as suas falas, relativizam a crueldade que fizeram e quase a tornam trivial. Quase. Porque produções como este documentário e pessoas como os vizinhos americanos que resgataram Hilda estão aí para nos mostrar que, de banal, este caso tem nada. E, ao colocar os depoimentos dos patrões em contraponto aos da empregada, o filme acerta por nos chocar ainda mais.

O que atrai nesta história como drama narrativo, além do mistério, é a virada. Quem começa como provável vítima torna-se algoz. E a trama termina com a irônica sensação de que a casa abandonada virou um lugar bom demais para aquela mulher.