terça-feira, 3 de junho de 2025

Vidas Passadas

 



Vidas Passadas é um drama romântico que concorreu a cinco categorias no Globo de Ouro de 2024: melhor filme de drama, melhor direção para Celine Song, melhor atriz em filme de drama para Greta Lee, melhor roteiro e melhor filme estrangeiro. A trama acompanha um romance de infância entre Nora (Greta Lee) e Hae Sung (Teo Yoo), colegas de classe em uma escola primária em Seul que termina quando a família dela emigra para o Canadá.

Após 12 anos, por meio de redes sociais, os dois retomam o contato. E tornam-se presentes na vida um do outro, apesar da distância. O problema é que há coisas que, se o virtual aproxima, traz também a necessidade da presença. Entretanto, o encontro daqueles personagens parece uma possibilidade distante... Nora, sempre mais racional e determinada, acaba propondo um afastamento. E 12 anos novamente passarão até que finalmente aquele encontro presencial aconteça. Mas, enquanto isso, a vida seguiu.

A conexão e a emoção entre Nora e Hae são palpáveis e muito bem construídas. Com uma fotografia delicada e irretocável, o filme é sutil. E, nesta sutileza, percebemos tudo. A cena inicial, por exemplo,  na qual um casal desconhecido observa Nora, Arthur e Hae Sung em um bar de Nova York e especula sobre a dinâmica do relacionamento do trio é emblemática porque, ali, já se introduz as possibilidades que serão, afinal, o tema do filme.

Sobre ele, a crítica cinematográfica Isabela Boscov comentou “Para mim, Vidas Passadas é uma destas obras transformadoras. É mais ou menos impossível chegar a certa altura da vida sem que uma escolha tenha excluído completamente outra”. O filme trata deste paradoxo da escolha, que pode nos deixar descontentes, mesmo quando tomamos decisões.

 Afinal, não é possível seguir um caminho, sem deixar de seguir outro. Não é simples, mas é fato que, a partir de uma decisão, toda uma vida será construída. E temos que seguir. O que não aconteceu não aconteceu. Pelo menos, nesta vida. 

quinta-feira, 1 de maio de 2025

Oeste outra vez



Oeste outra vez já indica a que veio no nome. Traz o gênero clássico, ambientado no velho Oeste dos Estados Unidos, para o sertão de goiás. Estamos nele outra vez? Em muitos aspectos, sim. Temas como honra, justiça com as próprias mãos, rivalidade e violência estão lá. Mas, há também um lado bem diferente: a masculinidade, tão viril em filmes do gênero, é desconstruída no filme de Érico Rassi.

Não vemos cowboys galãs, elegantes, imbatíveis. São personagens de um sertão nada plástico. Babu Santana e Ângelo Antônio interpretam dois rivais. Após Luiza (Tuanny Araújo) trocar Totó (Ângelo Antônio) por Durval (Babu Santana), Totó quer vingança. Alguns críticos disseram que, apesar da trama, o filme é lento com uma disputa que custa a sair do lugar. Mas trata-se do ritmo daquele sertão. Daqueles personagens. São lentos. São limitados. Não poderiam mesmo estar em um thriller dinâmico.

Com apenas uma mulher em cena durante 30 segundos, o filme mostra homens frágeis, querendo honrar algo que nunca tiveram. A impressão que se tem é que elas saíram de cena porque não têm mais paciência. Como escreveu Luiza Missi do Splash: “a nova aposta do cinema nacional quase não tem mulheres em cena, e isso é bom.” O lugar delas não deve ser mesmo ali. Ao lado de homens, cuja vida se limita a tomar um shot, ver o tempo passar e arrumar motivos para tornarem-se mocinhos e bandidos. Elas merecem mais.

“Oeste outra vez” mostra, assim, o lado b do estilo que representa. Talvez, muito mais real. O que vemos ali são homens inseguros, carentes, buscando propósitos aleatórios. Até na sinuca, presente em todos os bares em cena, não os vemos encaçapar uma bola. É uma versão que causa descolamento, comicidade e, quem sabe, um certo desconforto. Afinal, enxergar-se sem máscaras traz uma enorme vulnerabilidade. 


segunda-feira, 31 de março de 2025

Anora

 




Anora foi o vencedor do Oscar 2025. Além do prêmio de melhor filme, levou mais quatro: roteiro original, montagem, direção e atriz. Ele ainda venceu a Palma de Ouro do Festival de Cannes. Claro, não foi à toa. Mas também não é tão simples entender o motivo para este sucesso. Tem quem tenha adorado; tem que tenha achado bastante injusto. Indiferente, ninguém ficou.

O filme narra a história de Anora (Mikey Madison), uma dançarina erótica que conhece o herdeiro de um oligarca russo, casa-se com ele e, em seguida, é perseguida e coagida a anular o casamento.

O diretor Sean Baker realiza uma mescla de estilos cinematográficos de forma eficiente e faz com que a gente pense estar acompanhando uma história e, de repente, estamos em outra. No começo, ficamos inquietos e até incomodados com a forma eufórica e alucinante com que a história se passa. Sexo, drogas e até amigos são prazeres tão fugazes que, nem durante o “consumo”, parece haver total satisfação. Há no olhar e nos movimentos daqueles personagens uma falta de foco e uma certa aleatoriedade que não soam divertidos.

A história chega a parecer romântica com a decisão do herdeiro russo de se casar com a prostituta. Mas esta impressão também é fugaz. Logo em seguida, o filme torna-se  um thriller intenso de busca com planos sequências e personagens que nos lembram gangsters. Alguns, até cômicos. É neste ponto que surge o capanga armênio Igor (Yura Borisov) que passa a ser interesse da câmera. Ele é o único que enxerga a protagonista de uma forma mais humana, talvez, por entender, como afirma a crítica cinematográfica Isabela Boscov, que ambos estão na parte mais baixa daquela pirâmide social.

Podem lutar, gritar (e como Anora grita!) que, ali, não têm a menor chance. Ela tenta. Ele, nem isto. Resignado, tem um olhar de compreensão que a gente só percebe porque o diretor nos guia para ele. O filme é, portanto, um exercício cinematográfico bastante interessante. Mas, talvez, por isto, deixou de nos envolver de forma a torcermos verdadeiramente pelos personagens.  A cena final precisa desta conexão para ser absorvida em sua totalidade. Sem ela, causa estranhamento. Mas é bom ver Anora chorar. Ela estava precisando. 

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2025

Conclave

Conclave, dirigido por Edward Berger, recebeu 8 indicações ao Oscar 2025, entre elas, melhor filme, melhor ator (para Ralph Fiennes) e melhor roteiro adaptado. Baseado no livro de mesmo nome, do autor Robert Harris, sua trama se passa no Vaticano durante um conclave papal agitado por mistérios, intrigas e suspense.

A história começa com a morte repentina do Papa e com o Cardeal Lawrence (Fiennes) sendo indicado para gerenciar o conclave de escolha do novo Pontífice. A partir daí, o filme se passa durante o processo ultrassecreto e ritualístico da escolha do novo Papa e apenas nas dependências onde ele acontece. Vemos e convivemos com os ambientes que os cardeais votantes frequentam. A palavra “conclave” A palavra “conclave” pode ser traduzida como um lugar que pode ser fechado por chave e é assim que estamos, juntamente com os cardeais, e sentimos, como eles, que aquela escolha não vai ser fácil.

São 108 participantes e é preciso obter 2/3 dos votos. Não há candidatos. Todos ali podem ser escolhidos. Mas existem tendências opostas: Tedesco (Sergio Castellitto); o cardeal ultraconservador de Veneza; Bellini (Stanley Tucci); progressista, defensor, por exemplo, de direito das mulheres dentro do Vaticano; e alguns azarões como Benítez (Carlos Diehz), que defende que “A igreja não é passado. É o que faremos a seguir”.

Mentiras, acontecimentos passados e dúvidas permeiam a escolha e o andamento do processo; o que nos prende à trama e nos remete às eleições políticas. Fotografia e trilha sonora reforçam toda esta tensão e ajudam a envolver o espectador.

Alguns irão se surpreender com o final, mas, para mim, a decisão do Decano foi coerente com seu personagem. Afinal, em seu discurso de abertura, Lawrence declarou: “Nossa fé é uma coisa viva. Precisamente porque anda de mãos dadas com a dúvida. Se houvesse apenas certeza e nenhuma dúvida, não haveria mistério. E, portanto, nenhuma necessidade de fé.” Escolhendo, assim, o “talvez” do Cardeal Benítez “Talvez seja a minha diferença que me tornará mais útil”.